quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ayer y depois

Me lembro de quando recebi a notícia de que meu pai havia morrido.
Eu não acreditei.
Derrubei um copo de água em alguns papeis que nem sei...
Fizeram uma brincadeira de "uma pessoa importante para você morreu hoje 6 horas da manhã"... bem do tipo ADIVINHA QUEM FOI??
E eu entrei na brincadeira e dei meu primeiro chute:
- Minha vó!
- Não.
- Meu tio!
- Não.
- Minha mãe?
- Não.
- Não sei!
- Quem além da sua vó, do seu avô (porque eu havia estado 10 minutos antes com ele), seu tio e sua mãe é importante?

Eu pensei, pensei, pensei e não veio nada em mente para continuar o joguinho fúnebre. Sei lá, se não eram esses, QUEM raios poderia ser?
- Seu pai;
ela precisou dizer.
Meu pai?
Meu pai?
Ayer Manhaes Tavares?
Meu pai?
Tá falando sério?
Impossível.

Cara, meu pai tinha 28 anos... ele era imortal. Eu JAMAIS ia acreditar naquilo.
Eu fui lá no funeral em Campos... e por mais corajosa que eu seja, eu não tirei o lenço do rosto dele. Mas eu vi quando a minha vó levantou e não estava tão próxima... Me lembro dela dedilhando toda a face, dando carinho, encostando o rosto dela... chorando. Lembro dos roxos pela testa, na bochecha e lembro da boquinha também. Morreu tão machucadinho...
Lembro das rosas por ele todinho... Lembro que eu coloquei minha foto aos pés dele.
Lembro quando a gente foi enterrar ele, lembro da minha curiosidade com os outros túmulos. Sempre tive essa curiosidade... saber o nome, quanto tempo viveu, ver a foto...

Hoje eu sei que ele olha por mim. Eu sei que ele é a força que eu sinto quando eu perco as esperanças.

No dia seguinte, eu fui a escola normalmente. Tinha prova de Geografia que eu não poderia perder de JEITO NENHUM, vó.
Fui a psicologa também. Ela me deu alta rápido, rápido.
Com criança se faz TCC, né?
Ela me deu uns dois ou três questionários que eu até gostava de responder... e eu não lembro quais perguntas tinham alí... nem muito menos quais respostas... só lembro que eu gostava, achava divertido.
Mas ela diagnosticou que eu estava bem. Pediu para eu retornar, se minha vó visse alguma alteração no comportamento que fosse importante ela saber.

Foi uns dois meses depois.
Eu descobri que meu pai não era imortal. Eu passei a acreditar.
Minha alegria caiu.
Minhas notas caíram.
Eu tinha 12 anos e eu comecei a falar coisas como: eu vou adotar um negrinho de 6 anos paraplégico.
Eu comecei a chorar compulsivamente porque o interfone tocava e nunca mais era ele.
Eu comecei a pedir para morrer antes de dormir.
Eu comecei a pensar em abrir a porta do carro em movimento em auto estrada e me jogar. Comecei ter sonhos que meu pai me chamava e que era para eu fazer isso.
Comecei a inventar sonhos com ele.
Comecei a inventar conversas com ele.
Comecei a inventar realidades com ele.

Durante algum tempo eu não podia falar no assunto que minha boca tremia, minha mão gelava, meu coração endurecia, as lágrimas caiam como as cataratas. A temperatura do meu corpo subia, meu rosto ficava vermelho, parecia que eu ia morrer sufocada de tanto chorar.
Depois passou a me tocar qualquer pessoa que falasse do seu próprio pai com emoção... fosse boa de muito orgulho ou ruim de morte. E eu chorava... pela pessoa.
Depois veio a fase que incluia as mães dos outros e não somente os pais.
Ai com o tempo a emoção foi ficando mais exigente e eu deixei de chorar com tanta facilidade...
Não choro mais.
Mas sinto uma saudade...

Assim é tudo na minha vida.
Houve o ápice do sofrimento para tudo... e hoje, muito mais exigente, não choro muito por situações iguais... mas sinto a saudade quando é bom.
Fica o sentimento de que não dá para substituir.
O sentimento de que não dá para voltar atrás.
O sentimento de que eu deveria ter aproveitado mais daquela pessoa.

Um comentário:

Paulo Andrade disse...

Eu nem sei o que dizer, já fazem 11 anos que minha mãe faleceu, mas ainda me lembro como se fosse ontem a hora que recebi a noticia da morte dela.

enfim...tudo o que resta é lembrar dos bons e dos maus momentos, lembrar de o quanto foram bons esses tempos que não voltarão mais.

Compromisso ético:

Detalhe SUPER importante sobre este blog:

O que está em roxo fui eu quem escreveu. O que está em vermelho, é de alguém, que eu li, curti e pensei "Caramba, que bacana! Eu queria ter escrito isso!".



* Preservo assim os direitos autorais alheios, posto que gostaria de que preservassem os meus.